quarta-feira, 1 de setembro de 2010

I

Passos. Gotas. Passos. Gotas. Gotas. Gotas. Falas. Gotas.
Os sons chegam até sua cabeça antes das imagens, a tela ainda permanece preta.
Mais gotas. Barulho leve de chuva na janela.
As cores preenchem a tela lentamente. A nitidez chega atrasada mas a tempo de fazer com que ele perceba onde está. Uma pequena sala com paredes de pedra nua e uma pequena janela com grades. Pisca, pisca. Olha ao redor. Está amarrado. Está sentado. Está cansado. Tenta captar algo mais do ambiente, mas a escuridão retorna antes que as imagens se formem em seus olhos...

Hector se levanta, espreguiça e sai da sala. Resolveu descansar um pouco. Prepara o nescau de sempre e antes que o tome, faz um sanduíche com várias coisas que encontrou na geladeira. Pensa em como a vida ficou mais tranquila desde que foi morar sozinho, olha para a sala - 'Mais tranquila e mais bagunçada... Mas amanhã arrumo tudo isso.' - engole o sanduíche e bebe em três goladas o grande copo de nescau. Para um pouco e coça a cabeça como se estivesse se esquecendo de algo importante. Talvez estejam o esquecendo... "Time is money, friend. Haha." e com essa frasezinha sai correndo para a sala e pula no sofá.

Botas. Pesadas. O esforço para levantar sua cabeça é imenso. Há uma densa nuvem em sua visão. Pisca várias vezes tentando removê-la. A porta se abre. As botas entram. Pesadas, lentamente. Ele faz força para poder se virar mas mal consegue manter seus olhos abertos. Alguém o desamarra e ele cai pesadamente no chão. E antes de retornar para o escuro, ouve uma pequena risadinha sádica.

Hector se levanta, amaldiçoando a empresa que cuida da energia. "Já é a segunda vez na semana... Tenso..." Logo muda de ideia e senta-se quieto no sofá, no escuro. Tateia até achar o celular. 'Quase quatro horas... Fuck!' Com a ajuda da luz do celular chega até o quarto e assim que se joga na cama, se lembra de escovar os dentes. 'Esqueceram-me os dentes, vadios...' Reunindo toda sua força de vontade ele estica seus braços, como quem faz flexões, solta e cai. Cai num sono profundo.

domingo, 1 de agosto de 2010

Prelúdio

"Eu tive um sonho que ninguém mais teve e joguei fora tudo de que não precisava. Pensamentos que não posso ceder pulsam em meu peito. Mesmo que eu ainda esteja no vale entre o real e o ideal e meus pés estejam presos por correntes de sacrifícios. Minhas inundações de impulso ainda não estão totalmente reprimidas. Porque eu tenho um coração que pulsa fervorosamente. Mentiras, medo, fachada, tormento. Ainda não sou suficientemente fraco para ser preso por tantas coisas negativas. Sou um trapaceiro que não conhece a solidão."
Termina de escrever e guarda o caderno em sua pequena bolsa. Coloca a alça em seu pescoço e contempla a cidade novamente. Aquele vagalume silencioso. Pensa em todas as pessoas que estão lá embaixo e como brincar com algumas. Ah... A ignorância é mesmo uma benção e, para ele, a melhor. Talvez só porquê a benção dele seja diferente. Olha para cima e o brilho da lua acerta seus olhos que cintilam em resposta como só os animais sabem fazer. Por reflexo, ou por hábito, puxa seu capuz e se encolhe quando capta algo com o canto dos olhos. Um pássaro. Um corvo para ser mais exato, o que era esquisito por ali mas isso não importava... Ninguém poderia vê-lo, estava no alto da torre do relógio. E as pessoas só se lembram que existe algo acima delas quando começa a chover.
Agachado na beirada, como um gárgula em sua eterna vigilância, permitiu-se um sorriso malicioso e resolveu que era hora de brincar. Escorregou até a escada e adentrou na torre. Enquanto descia os numerosos lances, pensava em várias formas de silenciar a voz em sua cabeça. Decidiu como faria. Num impulso tanto quanto infantil, começou a pular vários degraus de uma vez - o que dava um ar animalesco ao seu impulso inocente - com os olhos faiscando de expectativa. Um último salto atravessando um lance inteiro e estava de frente para a porta. Jogou seu cabelo para trás e dirigiu-se à porta. Saiu, inspirou uma boa quantidade daquele ar noturno e desmaiou com uma coronhada na cabeça.